Volume 7 - 2002
Editor: Giovanni Torello

 

Outubro de 2002 - Vol.7 - Nº 10

Artigo do mês

Notas sobre a síndrome serotoninérgica

Fernando Portela Câmara,
Psiquiatra

A serotonina pertence à família das monoaminas e é sintetizada a partir do aminoácido L-triptofano. Ela promove a agregação de plaquetas e a vasoconstricção, mediando a hemostasia. Entretanto, é também um neurotransmissor excitatório da musculatura lisa tanto perifericamente, quando centralmente, estimulando a peristalse intestinal, as contrações uterinas e a constrição dos brônquios [2]. A serotonina é também um neurotransmissor central, influindo no comportamento e humor, apetite, sono, percepção da dor, termorregulação, funções sexuais, controle motor, agressividade e controle respiratório e cardíaco [1, 6]. Portanto, dada a importância que a serotonina têm no organismo, pode-se compreender como o aumento de sua atividade biológica pode ser impactante para o indivíduo.

A síndrome serotoninérgicA (SS) foi descrito na década de 1970 em pacientes que tomavam altas doses de triptofano [5], e em seguida foi também reconhecido em pacientes fazendo uso combinado de antidepressivos tricíclicos e inibidores da MAO [5]. Atualmente, é mais comumente visto em pacientes tomando antidepressivos da classe dos inibidores seletivos de recaptação da serotonina [3, 5, 7], medicamento usado para tratar não apenas depressão, mas também transtorno do pânico e transtorno obsessivo-compulsivo, e também em derivados usados para tratamento da enxaqueca (sumatriptano). Abaixo damos as substâncias mais freqüentemente associadas ao SS [1]:

  1. L-triptofano, precursor da síntese de serotonina.
  2. IMAOs (inbidores da monoamina oxidase), redutores do metabolismo da serotonina.
  3. Anfetaminas, cocaína, ecstasy (3,4-metilenedioximetanfetamina), que aumentam a liberação de serotonina.
  4. ADTs (Antidepressivos tricíclicos), ISRSs (inibidores seletivos de recaptação da serotonina), meperidina, trazodona, propoxifeno, dextrometorfan, todos inibidores não seletivos da recaptação da serotonina.
  5. Buspirona, LSD (dietilamida do ácido lisérgico), agonistas do receptor da serotonina.
  6. Carbonato de lítio (mecanismo desconhecido).

O uso dos ISRS é hoje amplamente disseminado, e o psiquiatra, bem como o médico geral que costuma administra-lo, devem estar atento ao SS, assim como á interações medicamentosas que também costumam deflagra-lo. Via de regra, medicamentos que são metabolizados pelo sistema citocromo P-450, como a meperidina (usada no tratamento da dor), o dextrometorfan (inibidor do apetite) e a maioria dos remédios para a tosse, para citar os mais comuns, são indutores do SS [1, 11]. A associação de medicamentos que são metabolizados pelo sistema P-450 aumenta ainda mais o risco como, p. ex., o uso concomitante de um ISRS com meperidina [10] ou determinados antitussígenos. Também a associação de inibidores da MAO com ISRSs ou ADTs aumenta significativamente o risco de SS, razão pela qual quando um for substituído pelo outro, deve-se fazer um intervalo de cinco semanas sem medicação antes de proceder à substituição.

O SS foi relatado em pessoas com idades variando entre 9 e 82 anos [6], em pessoas tomando apenas um medicamento desencadeante ou vários simultaneamente, e também foi relatado entre usuários de drogas, especialmente nos que fazem uso do ecstasy [2]. Parece que a idade avançada e o uso crônico de ISRS favorecem o aparecimento do SS [9]. Doença hepática, incluindo aqui o alcoolismo crônico, e doença endotelial (hipertensão, aterosclesrose) favorecem também o síndrome [1]. Tem sido sugerido que até mesmo exercícios físicos podem aumentar a susceptibilidade ao SS [1].

Clínica

O SS é descrito como uma tríade de sintomas envolvendo instabilidade autonômica, alterações neurológicas e mentais, sendo o diagnóstico feito na presença de quatro ou mais sintomas em cada grupo [4-7]. Contudo, o diagnóstico deverá ser feito após a exclusão de aumento recente de medicação neuroléptica, abuso de substância, e infecção do SNC. Ao mesmo tempo, a história de adição recente de medicamentos com propriedades serotoninérgicas será útil mas não necessária ao diagnóstico. A tabela abaixo, ligeiramente modificada por nós, ilustra este critério.

Tabela para o diagnóstico da Síndrome Serotoninérgica.

Instabilidade autonômicas

Alterações neurológicass

Alterações mentais

Diaforese

Tremores

Alteração da consciência

Diarréia

Vertigem

Agitação

Febre

Hiperreflexia

Hipomania

Taquicardia sinusal

Mioclonia

Letargia

Hipertensão/hipotensão

Convulsões

Insônia

Taquipnéia

Rigidez muscular

Alucinações

Dilatação das pupilas

Reflexo de Babinski

Hiperatividade

Rubor

Opistótonos

 

Cãimbras abdominais

Ataxia

 

Hipersalivação

Coma

 

Calafrio

   

 

O quadro varia desde sintomas brandos até o coma, quando se associa com alta morbidade e mortalidade. Nos casos típicos, os sintomas mais comuns são taquipnéia, agitação, delirium, midríase, sudorese, febre, taquicardia, instabilidade da pressão arterial, tremor, mutismo, rigidez, mioclonia e convulsões [1]. Os sintomas mentais mais importantes do SS estão a alteração da consciência, agitação, inquietude e hipomania, e os sinais clínicos mais importantes são a hiperreflexia dos membros inferiores, Babinski positivo, nistagmo e dilatação pupilar sem resposta reflexa.

Os sintomas ocorrem cerca de 24 hs após a tomada do medicamento ou por efeito do aumento de sua dose. Alguns sintomas podem ser breves e transitórios, sem serem notados, e então recrudescem de forma grave quando se aumenta a dose ou se adiciona outro medicamento que compete com o sistema citocromo P-450. Pacientes que recebem ISRSs e pioram sua sintomatologia (ansiedade, inquietação), podem estar sofrendo uma forma branda de SS.

O diagnóstico do SS está baseado principalmente nas manifestações clínicas e na história do paciente. Os achados laboratoriais não são específicos, portanto, não auxiliam o diagnóstico. Contagem elevada de leucócitos, elevação da creatinina e diminuição do CO2 sérico são freqüentemente vistos, contudo, são achados não apenas inespecíficos como também sem utilidade para prever a evolução do caso [7].

O SS pode ser confundido com condições clinicas tais como sepsis (particularmente nas encefalites), superdosagem de simpaticomiméticos, intermação, intoxicação colinérgica, convulsões, catatonia, delirium tremens, abstinência de álcool e outras drogas (incluindo cocaína, anfetaminas, ecstasy, nicotina, lítio) [5]. Também pode ser confundido (o que é frequente) com o Síndrome Neurolético Maligno, de modo que é importante aqui fazer a diferenciação de acordo com o tipo de alteração neuromusculares, pois, mioclonia, rigidez branda e tremor são característicos do SS, enquanto a rigidez tipo "cano de chumbo" é característica do SNM [1, 5].

Tratamento

Uma vez diagnosticado o SS e confirmado sua etiologia iatrogênica, o medicamento ofensor será descontinuado e medidas gerais de terapia intensiva instituídas [1, 2, 8. Estas medidas serão dirigidas especialmente para vigilância do status cardíaco e respiratório, arritmias, hipotensão (hidratação) ou hipertensão. É da maior importância controlar a hipertermia, estando-se também atento para possíveis rabdomiólise e insuficiência renal.

O propanolol em dose de 20mg 8/8 hs por via oral dá bons resultados na diminuição da taquicardia e pressão arterial e deve ser considerado no tratamento. O diazepam 5 mg EV deve ser a medicação de preferência para controlar a ansiedade. Outras benzodiazepinas (ex.: lorazepam) podem ser também usadas. O diazepam também poderá ser usado nas convulsões, porém, recomenda-se a difenidramina 50 mg IM ou clorpromazina 25 mg no controlar das mioclonias, e se há convulsões concomitante à estas, metisergida (2-6 mg/24 h).

O SS pode ser transitório, brando ou grave. A forma branda do SS é autolimitada com recuperação completa em 24 hs ou em alguns dias. Apenas 40% das formas graves são admitidas nas UTIs e a mortalidade nestes casos é de 11% [4, 5, 8].

Referências:

  1. Brown TM, Skop BP, Mareth TR. 1996. Pathophysiology and management of the serotonin syndrome. Ann Pharmacother. 30:527-533.
  2. Lane R, Baldwin D. 1997. Selective serotonin reuptake inhibitor-induced serotonin syndrome: review. J Clin Psychopharmacol. 17:208-221.
  3. Lejoyeux M, Fineyre F, Ades J. 1992. The serotonin syndrome. Am J Psychiatry. 149:1410-1411.
  4. LoCurto MJ. 1997. The serotonin syndrome. Emerg Med Clin North Am. 15:665-675.
  5. Martin TG. 1996. Serotonin syndrome. Ann Emerg Med. 28:520-526.
  6. Mills KC. 1997. Serotonin syndrome: a clinical update. Crit Care Clin. 13:763-783.
  7. Nierenberg DW, Semprebon M. 1993. The central nervous system serotonin syndrome. Clin Pharmacol Ther. 53:84-88.
  8. Nijhawan PK, Katz G, Winter S. 1996. Psychiatric illness and the serotonin syndrome: an emerging adverse drug effect leading to intensive care unit admission. Crit Care Med. 24:1086-1089.
  9. Sternbach H. 1991. The serotonin syndrome. Am J Psychiatry. 148:705-713.
  10. Weiner AL. 1999. Meperidine as a potential cause of serotonin syndrome in the emergency department. Acad Emerg Med. 6:56-8.
  11. Weiss DM. 1995. Serotonin syndrome in Parkinson disease. J Am Board Fam Pract. 8:400-402.

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