Volume 6 - 2001
Editor: Giovanni Torello

 

Fevereiro de 2001 - Vol.6 - Nº 2

No paíz dos Yankees

Memórias de um residente de psiquiatria – Ano 1, Segundo semestre

Dr. Erick Messias

O segundo semestre

Terminando a metade psiquiátrica do primeiro ano, comecei pela Emergência Médica o meu semestre clínico. Era janeiro e as ruas congeladas de Baltimore me viam sair de casa, antes do Sol nascer, e voltar depois da noite cair: o esquema de trabalho, na Emergência, são turnos de 12 horas seguidos, de 7 às 7. Foi um mês cansativo, mas a visão de psiquiatra se beneficia da experiência de ver as pessoas nos momentos mais agudos de dor ou medo.

Somente uma vez vi um paciente morrer na Emergência: uma overdose de heroína. Era uma jovem negra, magra pela vida nos porões opióides e emagrecida pelo ato de morrer, consumado, provavelmente, numa crack house. Mais uma vez, a consciência da necessidade e importância dos serviços de estudo e tratamento de abuso de drogas.

Depois da Emergência, parti para dois meses na Neurologia. Acredito que o psiquiatra em formação se beneficia, tremendamente, passando por um serviço de Neurologia. Por um lado, familiarizando-se com os quadros puramente neurológicos, como os AVCs e as epilepsias – ambos com importantes repercussões psiquiátricas/psicológicas; por outro lado, aprendendo, naquelas casos de fronteira entre o neurológico e o psiquiátrico: as pseudoconvulsões e as lesões cerebrais com repercussão no comportamento.

Terminados os dois meses de Neurologia, parti para os três últimos meses do ano, que seriam na Medicina Interna, no hospital Mercy de Baltimore, essa cadeia de hospitais mantida por religiosas em diversas cidades nos EUA. Por lá, fiquei três meses, que foram longos, porque muito puxados em termos de carga de serviços e proveitosos, em termos de aprendizado; aprender como se pratica clínica médica por aqui, com as possibilidades de exames rápidos, a automação dos resultados, as milhares de abreviaturas. Dois casos me ficaram marcados na memória: o primeiro, uma meningite, que se apresentou como mudança no comportamento e, o segundo, um caso terminal de câncer, cujo prognóstico tive que comunicar à família e me coube, também, transferir a paciente para um ‘hospice’ para onde vão pacientes terminais. Este conceito e este movimento de ‘hospice’ merecem atenção e mereceriam uma discussão aberta. Mais informações acerca do mesmo, na página http://www.hom.org/movement.html

Assim terminava meu primeiro ano. Cansado dos matagais da clínica médica, com alívio, rumei ao segundo ano de residência: de volta aos serviços de psiquiatria.

Errata

Devo corrigir uma informação da coluna do mês passado: o time de futebol americano a que me referia se chama Dallas Cowboys e não Texas Rangers, que, na verdade, é a polícia do estado do Texas. Ainda sobre futebol americano gostaria de mencionar a vitória do time daqui no Super Bowl: o Baltimore Ravens. A cidade assistia às últimas partidas da ‘semifinal’ numa ânsia que eu mesmo nunca tinha visto – e eu assistia à cidade roer as unhas a cada partida. O nome Ravens vem do poema do Edgar Alan Poe, que por aqui viveu e morreu. A partida final – o tal Super Bowl foi entre o Ravens e o Giants, este de Nova Iorque. Fui assistir ao jogo na casa de um amigo, minha terceira experiência assistindo ao tal Futebol Americano. Enfim o time de Baltimore ganhou e a cidade, quase literalmente, vestiu roxo – a côr do time - para comemorar; as luzes que iluminam os prédios, inclusive da vetusta Johns Hopkins, foram trocadas por luzes roxas e a cidade brilhava lilás à noite. Mais uma experiência neste país dos ianques.

PS: O poema "the raven" assim como suas traduções – incluindo aquela do Machado de Assis e a do Ferrando Pessoa – pode ser encontrado na página: http://www1.gratisweb.com/popbox/framepoe.htm


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