Volume 5 - 2000
Editor: Giovanni Torello

 

Setembro de 2000 - Vol.5 - Nš 9

Voando sobre a História da Psiquiatria II

Walmor J. Piccinini

Resumo

Primeira revolução psiquiátrica: Pinel e o Tratamento Moral

Segunda revolução psiquiátrica; Freud e a influência da psicanálise sobre a psiquiatria

Terceira revolução psiquiátrica: Psicofármacos e o esvaziamento dos macro-hospitais

Congressos Psiquiátricos

1900- Congresso Internacional de Alienistas em Paris: Marco sobre a assistência ao doente mental e proposta a criação de Colônias para recuperar os enfermos.

1950- Primeiro Congresso Muindial de Psiquiatria em Paris. Progressos na terapêutica. A terapia pelo choque ( insulinoterapia, choque cardiazólico e eletroconvulsoterapia) Em 1946 Cade anuncia os efeitos do Lítio. Em 1948 Jacobsen e Hald descobrem o efeito do antabuse em alcoolistas. Hoffman descobre o LSD e começam as experiências com alucinógenos.

1957. Segundo Congresso Mundial de Psiquiatria em Zurich. (para homenagear o último dos 4 grandes psiquiatras suiços que lá viveram: Eugen Bleuler, Rorschach, falecidos. Adolf Meyer emigrou. Restou Carl Gustav Jung que presidiu a sessão sobre os psicofármacos. Triunfo do Largactil (Clorpromazina) e do haloperidol.

1961. Terceiro Congresso Mundial de Psiquiatria realizado na Canadá e que marcou a fundação da WPA ( World Psychiatric Association)

As revoluções psiquiátricas

Observando os registros históricos chegamos a uma conclusão pouco lisongeira para nossa Psiquiatria. Sua evolução foi muito lenta, seus métodos terapêuticos questionáveis e seus resultados finais pouco animadores. Ainda estamos longe da vitória sobre a loucura. Não deixa de ser alentador, entretanto, muitas vitórias parciais.

Philippe Pinel (1745-1826) é considerado o fundador da psiquiatria. Pai da primeira revolução psiquiátrica. Sua imagem foi celebrizada num quadro por Robert Fleury, onde êle aparece com Pussin liberando os doentes mentais das correntes. Seu grande mérito foi introduzir tendências humanísticas na assistência ao doente mental.

Na mesma época, açoes similares eram desenvolvidas por Vincenzo Chiarugi na Itália e pelos irmãos Tuke (William e Samuel) na Inglaterra.

Pinel propôs o tratamento "moral" que consistia em usar de amabilidade, firmeza, atenção às necessidades psicológicas e físicas, uma relação humanitária entre o paciente e aqueles que o cuidam; diversões sadias, otimismo dependente do prognóstico dos pacientes alienados.

O que era revolucionário naquele tempo, era a noção que a doença mental podia ser causada pelas experiências de vida, corrigíveis num ambiente físico e social adequados e que as lesões cerebrais não eram uma consequência natural e inevitável das doenças mentais. Nas palavras do próprio Pinel ."Eu, então, descobri que a loucura era curável, em muitos casos, por meio do tratamento e a atenção exclusiva à mente, e, quando a coação era indispensável, esta poderia ser aplicada eficazmente sem indignidade corporal".

A apresentação das "Memoirs of Madness" em 11 de dezembro de 1794 é considerado o marco inicial da moderna psiquiatria. Um fato que chama a atenção, é que Pinel beirava os 50 anos quando apresentou seu trabalho. E o que fizera êle antes disso? Formado pela Universidade de Tolouse em 21 de dezembro de 1773 sua licença só era válida naquela cidade. Morando em Paris êle não podia clinicar, sobrevivia dando lições de matemática e traduzindo trabalhos médicos. Foi assim que êle conheceu o trabalho de Cullen e o traduziu para o francês. William Cullen era professor em Edimburgh e escreveu o texto que, pelo menos para mim, é o divisor entre a crendice e a ciência. First Lines in the Practice of Physic (1785). ( É intrigante o fato que, tanto Pinel como Freud, conhecerem os trabalhos de Cullen, aproveitaram suas idéias, mas não lhe deram créditos. Em outra ocasião voltaremos a este assunto). Pinel, não podendo atuar como médico, uniu-se aos naturalistas e conviveu com famosos botanistas e, tudo nos leva a crer que, com êles, aprendeu a arte de observar, catalogar, classificar. Ao ser nomeado "médico das enfermarias" do Bicetre, êle pode por em prática esses conhecimentos e pode-se deduzir que daí nasceu sua nosografia e os registros clínicos. Fato raro para um médico da época, ouvir um subordinado, pois êle começou ouvindo as experiências do administrador Jean Baptiste Pussin e com o mesmo estabeleceu proveitosa parceria. Usando as técnicas dos botanistas, êle observou, ouviu, separou os doentes dos delinquentes ou simples desgarrados da sorte e mostrou como eles podiam melhorar se recebessem cuidados adequados, higiene, alimentação, atenção e compreensão.

Estas idéias se tornaram a marca da psiquiatria do século 18. Nos Estados Unidos elas foram introduzidas por Benjamin Rush (1745-1813) considerado o pai da psiquiatria americana e cuja esfígie está eternizada no sêlo da Associação Psiquiátrica Americana.

Rush introduziu o tratamento moral no Hospital da Pensilvânia com "notável êxito". Há referências estatísticas do Hospital de Worcester, NY, que, aplicando o tratamento moral, pelo menos no período de 1833-1837 obteve 70 % de recuperação dos seus 300 pacientes.

Pode-se afirmar, pelo menos por alguns exemplos comprováveis por registros hospitalares e seguimento de pacientes que o tratamento moral obtinha bons resultados até por volta de 1855 e depois disso o tratamento psiquiátrico entrou num período de obscuridade em que o custodializsmo, a falta de esperança e a desmoralização predominavam. As explicações foram de ordem sócio-políticas e demográficas. Revolução industrial, aumento explosivo da população, imigrações desordenadas, guerra civil e sobretudo, a falta de métodos terapêuticos. Os Estados começaram a gastar cada vez menos com os pacientes, os médicos, em pequeno número, ficaram sobrecarregados, a enfermagem diminuta e temos uma história conhecida até os dias de hoje.

Que opções terapêuticas existiam além dos cuidados de higiene e da contenção dos agitados? Podemos citar alguns recursos citados na literatura:

  1. água fria pingando na cabeça, de certa altura, como maneira de controlar episódios maníacos
  2. uso de morfina e derivados para acalmar os doentes agitados
  3. Estramônio ( derivado de planta tóxica medicinal-figueira do inferno) era prescrito tnto para a epilepsia como para a mania
  4. Extrato de cicuta, usado na melancolia
  5. Extrato de hisciamus para a excitação
  6. Nux vômica era utilizada como estimulante
  7. Banhos com água salgada
  8. Woodward de worcester obtinha bons resultados com alimentação adequada ao contrário de outros centros que deixavam os doentes a beira da inanição para enfraquec-los

Em 1900 realizou-se o Primeiro Congresso Internacional de Alienistas em Paris. Segundo Magnan, o Congresso caracterizou-se pela discussão da Assistência aos Alienados. Nesta altura os hospitais estavam superlotadas e decadentes e a conclusão dos alienistas era de que se devia esvaziar os asilos construindo Colônias onde os alienados iriam entrar em contato com a natureza e se dedicar as lides da terra.

No Brasil, num fenômeno que chamo o complô das Santas Casas, foram sendo construidos e inaugurados os asilos exatamente no momento histórico em que eles iam se mostrando obsoletos no resto do mundo. Refletia o nosso atraso de colônia que só começou a mudar a partir de 1808 com a vinda da família real e a criação dos Cursos de Cirurgia. Em 1822 a Independência, em 1832 foram criadas as Faculdades de medicina da Bahia e do Rio de Janeiro. Quando o Hospício Pedro II foi inaugurado (1852) fazia dois anos que as canhonheiras inglesas tinham se afastado da Baia da Guanabara onde vieram para terminar de vez com o tráfico de escravos. Foi a única maneira de abalar a oligarquia escravocrata brasileira que vinha driblando os acordos para terminar com a escravatura.

Nos asilos brasileiros se repetiram os fatos que aconteciam em todo mundo, superlotação, ausência de tratamento e uma mortandade impressionante de pacientes. Algumas estatísticas chegam a 50 % de óbitos entre os pacientes admitidos em alguns desses asilos.

Surgem entre nós os defensores dos direitos dos pacientes. Juliano Moreira é nomeado diretor do Hospital Nacional de Alienados, começam a surgir algumas lideranças positivas no meio médico. Em 1908 Cliford Beers publicou seu livro "Um espírito que achou a si mesmo"que serviu de bandeira para a criação das Ligas de Higien Mental em todo mundo.

No final do século 19 e albores do século 20 começaram a despontar os trabalhos de Sigmund Freud (1856-1939) que traziam uma nova visão dos fenômenos mentais. Se atribue a êle a Segunda Revolução da Psiquiatria. A idéia do inconsciente, repressão, associação livre, concepção da mente, a teoria dos instintos, a importância da sexualidade, a influências das experiências infantis marcaram a psiquiatria, a sociedade a cultura.

Em 1950 realizou-se em Paris o que foi chamado o Primeiro Congresso Mundial de Psiquiatria e nas palavras entusiasmadas de Jean Delay seria o Congresso da Terapêutica. Nêle houve animada sessão presidida pelo Prof. A C. Pacheco e Silva do Brasil em que foram discutidos os novos métodos terapeuticos. Manfred Sakel discorreu sobre a insulinoterapia que foi descoberta em 1927, Von Meduna falou sobre o choque cardiazólico descoberto em 1929 e Hugo Cerletti falou sobre o Eletrochoque descoberto em 1938. O ambiente foi, digamos, eletrizante. Sackel era arrogante, autoritário, se julgava o inventor da terapia de choque e afirmava que os outros dois vieram a êle para receber orientação. Isso irritou Von Meduna que recusou-se a cumprimentá-lo. Cerletti conquistou atodos por sua simplicidade e porque, estava sempre se desculpando por ter inventado o eletrochoque que era muito menos assustador que o choque cardiazólico mas ainda assim um tratamento bárbaro.

Antes dos métodos de choque, no início do século era introduzido o ácido dietilbarbitúrico o barbital que foi substituido em 1912 pelo fenobarbital. Em 1941 o fenobarbital e o amytal sódico eram muito populares, este último por facilitar abreações e muito utilizado em soldados em estado de choque emocional. Além disso se utilizava o hidrato de cloral, o brometo tríplice e o parahaldeido principamente em alcoolistas.

A malarioterapia foi utilizada a partir dos anos 20 até o surgimento da penicilina. No Rio Grande do Sul os primeiros tratamentos ocorrerram em 1929.

Ao lado destas medicações os pacientes sofriam restrições físicas com camisa de fôrça, isolamento em selas fechadas, alimentação por tubos, eram envolvidos por faixas húmidas e hidroterapia.

Em 1952 Pierre Deniker ouviu de seu cunhado que era cirurgião, que um tal Dr Henri Laborit junto com Huguenard um anestesista usava coqueteis de medicamentos para facilitar as anestesias. Nesses coqueteis ele utilizava Demerol, Fenergan e dietiazida uma fenotiazina. Por sugestão de Laborit o laboratório Spécia passou a desenvolver outras fenotiazinas entre elas uma chamada clorpromazina que Laborit usava em pequenas doses nos seus coquetéis líticos. Deniker solicitou amostras do produto ao laboratório e passou a utilizá-lo em doses mais elevadas. Inicialmente êle além da clorpromazina utilizava gêlo para fazer o paciente hibernar. Mais tarde os enfermeiros lhe comunicaram que os pacientes ficavam tranquilos sem o gêlo e a clorpromazina passou a ser utilizada sem aquele acompanhamento que causava grande complicação para a enfermagem.

Iniciava-se ai a Terceira Revolução Psiquiátrica que viria a mudar o ambiente dos hospitais, contribuir para seu fechamento e criar uma nova especialidade a psicofarmacologia. Continua...


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