Volume 5 - 2000
Editor: Giovanni Torello

 

Outubro de 2000 - Vol.5 - Nº 9

No Paiz dos Yankees

Mutilação genital

Dr. Erick Messias

Uma das vantagens de morar por algum tempo nos EUA é a posibilidade de entrar em contato direto com diversas culturas de diferentes partes do planeta. Uma amostra desse ‘caldeirão’ é o próprio grupo de colegas de residência, onde há judeus, mulculmanos, critãos, hindus, ateus e até um residente que pratica as religiões tradicionais da Nigéria – que tem muito em comum com a macumba e a umbanda. Esse residente em particular é herdeiro de uma linha nobre de chefes de uma das tribos da nação Ibu e regularmente discutimos acerca dos conflitos de cultura e de seu impacto no continente africano .

Na Babel norte-americana chegam notícias inusitadas e algumas relevantes para o nosso entedimento do ser humano, da sociedade e de como culturas interagem. Um dos últimos debates a fazer âncora nessa terra de yankees foi a questão da prática conhecida como mutilação genital (Os defensores dessa prática chamam-na de circuncisão feminina).

Em alguns países da África existe a tradição de se retirar partes dos orgãos sexuais femininos como parte do ritual de passagem da infância para a idade adulta. A extensão do procedimento varia entre diferentes tribos, indo de retirada do clítores até remoção completa dos pequenos e grandes lábios.

Os defensores da prática justificam sua posição baseados nos relativimos cultural. Ela seria uma tradição tribal, o preço que as mulheres pagariam para de inegrar à sociedade local, e que deve-se respeitar o direito de auto-determinação de diferentes culturas – trocando em miúdos, quem somos nós para dizer o que é certo ou errado?

Aqueles que defendem a luta pelo fim da mutilação/circuncisão feminina consideram que tal prática viola a integridade física de meninas ainda incapazes de dizer não ou mesmo de entender o suficiente para dar permissão para o procedimento. Há também o argumento de que essa mutilação tem como finalidade o maior controle dos homens sobre as mulheres – aparentemente a mutilação também aumenta o prazer do macho no ato sexual. Um fato é certo: mulheres submetidas a mutilação ‘valem’ mais na hora do arranjo matrimonial nessas comunidades.

Observando tais posições antagônicas podemos tentar chegar ao meio termo aristotélico e evitar extremismos. Tomemos um exemplo citado por meu colega Ikunga numa de nossas discussões acerca de conflitos culturais. Uma das diferenças fundamentais entre as duas principais tribos da Nigéria - os Ibu e os Yoruba - era a reação ao nascimento de gêmeos. Os Ibu consideravam-nos demônios e o segundo gêmeo era sacrificado logo ao nascer. Entre os Yoruba gêmeos eram considerados uma benção e considerados quase divindades. Com o contato entre as duas culturas os Ibu assimilaram a atitude mais amena em relação aos gêmeos, e hoje aceita sua ocorrência com naturalidade.

Assim diferentes culturas interajem transformando-se e influenciando-se mutuamente.


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