Volume 5 - 2000
Editor: Giovanni Torello


Abril de 2000 - Vol.5 - Nš 4

Pensando sobre a tal TPM

Erick Messias

Na primeira semana de março, o Grand Round do Sheppard Pratt teve como apresentadora a psiquiatra Lucy Puryear, do Baylor College no Texas. Seu interesse principal é acerca das relações entre hormônios e saúde mental, na mulher. O título da palestra foi 'Transtornos do Humor e o ciclo menstrual'.

Para chegarmos aos pontos principais de sua apresentação, acho que devemos revisar algo acerca do papel do sexo na morbidade psiquiátrica.

As diferenças entre homens e mulheres em relação ao risco e apresentação de diferentes quadros psiquiátricos é notória. Depressão e transtornos de ansiedade, por exemplo, atingem mais as mulheres. A idade do início da esquizofrenia é maior em mulheres e alguns dados parecem apontar para uma apresentação mais leve no sexo feminino. Esse último achado encontrei, também, na amostra de pacientes com esquizofrenia em Mossoró, RN. Ou seja, parecem existir diferenças importantes na morbidade psiquiátrica entre homens e mulheres. Cabe a nós entender o porquê e procurar utilizar estes conhecimentos em nossa prática clínica.

Há uma pletora de hipóteses para explicar essas diferenças. Tradicionalmente, a divisão social e a exclusão da mulher de determinadas atividades foi usada para explicar essas diferenças. "O homem bebe, a mulher toma Diazepan"; "A mulher chora, o homem tem infarto" são pérolas, que, apesar de apresentarem alguma verdade, não explicam os achados epidemiológicos e clínicos.

Recentemente, o interesse pelo papel dos hormônios sexuais nos processo cerebrais tem recebido uma atenção cada vez maior da comunidade cientifica e tem se tornado terreno de hipóteses para entender, como dizia Luís Gonzaga - o rei do baião - 'que diferença da mulher o homem tem?'

Para tanto, revisitemos o ciclo menstrual. Como em todo ciclo, há um momento inicial arbitrário. Neste caso o melhor marcador é a própria menstruação, visível e facilmente identificável. Daí começa a fase proliferativa, ou folicular, que continua até o pico de LH e FSH que precede imediatamente a ovulação. Seguimos para a segunda fase, secretória ou lútea, onde os níveis de estrógeno e progesterona seguem aumentando - até chegarem a uma nova menstruação. Acontece que em algumas mulheres esta chegada não é tão pacifica. Chegamos na infame TPM.

Estas três letras foram assimiladas na cultura brasileira, na americana também - PMS - , de forma que perderam em grande parte valor diagnóstico.

Tensão pré-menstrual já não explica, nem é novidade. Sabemos que é muito prevalente, mas não podemos classificá-la como transtorno psiquiátrico sob pena de reproduzirmos Simão Bacamarte. Urge então diferenciar o normal dopatológico.

No apêndice B do DSM-IV há uma série de critérios e síndromes propostos para melhor estudo. Lá encontraremos a PDD, pré-menstrual dysphoric disorder, sobre a qual muito falou a Dr. Puryear. Seu principal argumento foi que PDD é um transtorno psiquiátrico importante e que merece atenção dos clínicos. A primeira medida a se tomar no momento em que se descreve uma síndrome édiferenciá-la de outras entidades. Assim, temos que diferenciar PDD de tensão pré menstrual, que não deve ser patologizada, e de depressão maior - já que o tratamento é outro e o impacto prognóstico também.

Os seguintes critérios estão listados no DSM IV, apêndice B, para transtorno disfórico pré-menstrual: Na maioria dos ciclos menstruais durante o ano passado, cinco ou mais dos seguintes sintomas estiveram presentes na última semana da fase lútea, começando a remitir no início da fase folicular, estando ausentes na semana pós-menstrual. Pelo menos um dos sintomas deve ser 1, 2, 3, ou 4:

1) humor deprimido, sentimento de desesperança ou pensamentos de auto depreciação;

2) ansiedade marcante, tensão, ou sentimento de estar 'no limite';

3) instabilidade afetiva marcante;

4) raiva ou irritabilidade pronunciada, ou aumento significativo de conflitos pessoais;

5) interesse diminuído nas atividades usuais;

6) dificuldade de concentração;

7) letargia, cansaço pronunciado, falta de energia habitual;

8) mudança significativa no apetite, seja no sentido de diminuição ou de aumento

9) aumento ou diminuição importante no sono;

10) sentimento de estar 'fora de controle';

11) sintomas físicos, como dor mamária, dor de cabeça, dor muscular ou articular, ganho de peso.

A alteração deve ser marcante e interferir na capacidade para estudo ou trabalho, não pode ser mera exacerbação de síndrome preexistente - como depressão maior, transtorno do pânico, distimia ou transtorno de personalidade. Esses critérios devem ser confirmados prospectivamente pelo menos por dois ciclos menstruais.

As principais características do transtorno a serem observadas pelo clínico no diagnóstico são: o impedimento funcional e o aspecto cíclico do transtorno. Uma das estratégias mais enfatizadas pela Dra. Puryear é: sempre colha a história menstrual de suas pacientes, pergunte!

Mas como proceder para que tudo isso faça sentido do ponto de vista da bioquímica cerebral? Lembremos que os hormônios sexuais, e seu ciclo, são comandados pela hipófise que, por sua vez, recebe uma importante regulação: o hipotálamo. Esta pequena estrutura cerebral, que o anatomista achou parecida com um cavalo marinho, por sua vez possui inúmeros receptores para neurotransmissores tais como norepinefrina, dopamina e serotonina. Mais ainda, o hipotálamo possui receptores para estrógenos. Ou seja, no hipotálamo pode estar a chave bioquímica que une serotonina - tradicionalmente ligada a depressão, e estrógeno - hormônio chave do ciclo menstrual. As pesquisas em neuro-ciências ainda têm muito o que explicar acerca desta relação mas hoje podemos pelo menos localizar uma possível conexão entre peças deste imenso quebra cabeça.

Se podemos esboçar um diagnóstico e uma fisiopatologia, podemos desenvolver um plano de tratamento racional?

O tratamento para pacientes com transtorno disfórico pré-menstrual começa com educação: é preciso tranqüilizar a paciente, ela não é louca, nem histérica, nem 'nervosa'. Métodos não farmacológicos devem ser utilizados, incluindo mudanças na dieta, exercício e psicoterapia. Mas isto não é novidade para o psiquiatra. No campo farmacológico, no entanto, há novas perspectivas.

Atualmente, o tratamento farmacológico de escolha, 'gold standart', segundo a Dra. Puryear são os Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina - ISRS, que utilizamos para o tratamento da depressão maior. Esses tem se mostrado eficazes, inclusive no tratamento dos sintomas físicos do transtorno disfórico pré-menstrual. Nesse sentido esse medicamentos parecem oferecer uma baixa incidência de efeitos colaterais, associada a uma boa eficácia.

Algumas diferenças em relação ao tratamento de depressão são importantes:

primeiro, o início de ação parece ser mais rápido - em comparação às tradicionais duas semanas no tratamento da depressão; a dose utilizada também parece ser menor que aquelas necessárias para depressão. Outra importante característica, que tem sido avaliada com sucesso em algumas pacientes é o uso de ISRS de maneira cíclica, ou seja, apenas nas duas semanas precedendo a menstruação. Apesar de ainda ser baseada em estudos preliminares, esta maneira de tratar o distúrbio parece ser promissora na medida em que diminui efeitos colaterais, aumenta a aderência ao tratamento e diminui o estigma de tomar 'medicamento controlado, pros nervos' durante o ciclo inteiro.

Quando a paciente não responde aos ISRS, outras drogas podem ser utilizadas, como anticoncepcionais, bensodiazepínicos, diuréticos, agonistas do GNRH, progesterona, agentes antiinflamatórios, entre outros. No entanto estas medidas terapêuticas devem ser individualizadas e, aí, o psiquiatra tem que trabalhar junto ao ginecologista para prover o melhor tratamento para cada paciente.

Uma revisão completa acerca das medidas terapêuticas no transtorno disfórico pré-menstrual vai além das possibilidades desta coluna. No entanto algumas lições ficam desta conversa.

Primeiro, a experiência positiva com a utilização dos ISRS no transtorno disfórico pré-menstrual tem sustentado a hipótese de que o mesmo é resultado de um problema nos sistemas serotoninérgicos cerebrais. Com o avanço dos achados das neurociências, podemos esperar, um dia, sermos capazes de entender mais acerca das múltiplas interações hormonais no sistema nervoso.

Em relação a opções terapêuticas atuais, o uso intermitente de ISRS parece ser uma alternativa a ser tentada.

A segunda e mais importante lição a colher é a necessidade de se dar atenção à saúde da mulher. Reconhecer nossa ignorância e, muitas vezes, incompetência em entendê-la(s), é o primeiro passo para melhorarmos como clínicos. Aprimorar o ouvido freudiano, que tanto aprendeu ouvindo mulheres, juntamente com os achados de neuroimagem parece o desafio aberto do século que nos aguarda.


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