Volume 5 - 2000
Editor: Giovanni Torello


Março de 2000 - Vol.5 - Nº 3

Enquete via E-mail, entre Psiquiatras da Lista Brasileira de Psiquiatria, questionados sobre as atuais normas de prescrição - resultados colhidos no mês de novembro de 1999.

Dr. Luís Carlos Calil
Professor da Disciplina de Psiquiatria
da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro,
Uberaba MG

Introdução

Até o ano de 1998, estava em vigor as Portarias 27 e 28, instituídas em 1986, da Divisão Nacional de Medicamentos, que normatizavam a prescrição de drogas psicotrópicas. Em síntese, estabelecia três tipos de receituários para medicamentos com ação no Sistema Nervoso Central (SNS): branco-carbonado para medicamentos sem risco de causar dependência (antidepressivos, antipsicóticos); notificação "B" com talonário azul, para medicamentos que potencialmente podem induzir dependência (benzodiazepínicos) e a notificação "A" com talonário amarelo, para drogas com alto risco de induzir dependência (anestésicos barbitúricos, opióides e derivados da anfetamina - de uso psiquiátrico, o metilfenidato). No receituário branco-carbonado deve constar endereço do paciente, podem constar até três substâncias ativas com até seis unidades de apresentação cada, prescritas com seus nomes comerciais - Ex: Para Fulano de tal, Rua tal, no tal, Uso int., Tofranil Pamoatoâ 150 mg, 6 caixas, tome uma cápsula à noite, data, assinatura e carimbo do médico (contendo nome e CRM), mesmo que o receituário seja personalizado e contenha estes dados. A notificação "B" deve ser numerada para cada médico pelo Órgão de Vigilância Sanitária local, conter apenas uma droga por notificação com no máximo três unidades de apresentação - Ex: Data, Fulano de tal, Rivotrilâ , 3 caixas, comprimidos de 2 miligramas. A notificação "A", portaria 27, é emitida e numerada pela Secretaria de Estado da Saúde, onde o médico deve requisitá-la, no preenchimento é o mesmo da notificação "B", Ex: Ritalinaâ , 3 caixas, comprimidos de 10 miligramas. Nas notificações "A" e "B", o estabelecimento que aviar a receita deve preencher: nome do comprador, endereço, número de identidade, órgão emissor e telefone. A validade das receitas é de um mês, a receita deve ser retida pela farmácia ou drogaria por dois anos e a vigilância deve ser feita duas vezes ao mês em cada estabelecimento.

Esta lei instituída pela Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária, nunca foi cumprida na íntegra e agora esta sendo substituída pela Portaria 344 de 12/5/1998, pela mesma Secretaria, transformada em Agência Nacional de Vigilância Sanitária em dezembro de 1999.

As freqüentes mudanças nas normas de prescrição associada a pouca efetividade da vigilância de seu cumprimento e controle da qualidade, produção e distribuição de psicofármacos, ensejou que elaborássemos questionário dirigido a Psiquiatras participantes da Lista Brasileira de Psiquiatria, coordenada pelo Dr. Giovanni Torello, sediada na UNIFESP.

Amostragem

Em outubro de 1999, mês do envio do questionário, existiam 278 participantes na Lista, dos quais 241 psiquiatras.(Giovanni Torello, comunicação pessoal).

Utilizou-se a Lista por se mostrar veículo ativo de comunicação e dada a rapidez propiciada pela Internet, obtendo-se as respostas em curto espaço de tempo.

Foram 49 respondentes, excluiu-se dois não Psiquiatras, nossa amostragem passou para 47 Psiquiatras (19,5% do total), havendo o cuidado de considerar somente um questionário para cada respondente.

Resultados

  • Amostra de psiquiatras que respondeu = 47
  1. Tempo de formado

    até cinco anos = 8,5%
    5 a 15 anos = 36,1%
    acima de 15 anos = 55,3%

     

  2. Perguntado se as normas de prescrição da portaria 344 são formas eficazes de controle para o uso de psicofármacos:

    Concorda plenamente = 0%
    Concorda parcialmente = 36,1%
    Não tem opinião formada = 6,4%
    Discorda parcialmente = 21,3%
    Discorda totalmente = 36,2%

     

  3. Perguntado se os receituários especiais para prescrição de psicofármacos são ineficazes e estigmatizantes para pacientes e psiquiatras.

    Concorda plenamente = 49%
    Concorda parcialmente = 34%
    Não tem opinião formada = 0%
    Discorda parcialmente = 8,5%
    Discorda totalmente = 8,5%

     

  4. Perguntado se deveria haver receituário único e simplificado para quaisquer especialidades.

    Concorda plenamente = 51%
    Concorda parcialmente = 36,2%
    Não tem opinião formada = 2,1%
    Discorda parcialmente = 6,4%
    Discorda totalmente = 4,2%

     

  5. Perguntado se facilitaria a prescrição e aquisição de psicofármacos, se no receituário houver numero de unidades prescritas e tempo de validade da prescrição, que deveriam ser controlados pelo farmacêutico.

    Concorda plenamente = 72,3%
    Concorda parcialmente = 21,3%
    Não tem opinião formada = 2,1%
    Discorda parcialmente = 0%
    Discorda totalmente = 2,1%
    Não respondeu = 2,1%

     

  6. Perguntado se concordam com receituário de validade nacional, não restringindo-o ao Estado onde o medico tem registro de CRM.

Concorda plenamente = 74,5%
Concorda parcialmente = 12,7%
Não tem opinião formada = 6,4%
Discorda parcialmente = 2,1%
Discorda totalmente = 4,2%

O dados revelam que mais de 91% dos psiquiatras da amostra estão formados há mais de cinco anos, portanto familiarizados com os receituários vigentes. Mais da metade (57,5%) discordam que os receituários são formas eficazes de controle, para o uso de psicofármacos. A quase totalidade (83%) concorda que receituários especiais para prescrição de psicofármacos são ineficazes e estigmatizantes para psiquiatras e pacientes.

Como sugestão, 87,2% concordam que deveria haver receituário único e simplificado para quaisquer especialidades médicas. A prescrição e aquisição de psicofármacos pelos pacientes em vista dos custos dos mesmos ficaria mais simplificada e viável se na receita constasse o número de unidades prescritas e tempo de validade a critério médico, possibilitando a aquisição de unidades isoladas, sob controle do farmacêutico, com o que concordam 93,6% dos psiquiatras. Ainda 87,2% concordam que o receituário deveria ter validade nacional.

Discussão

Em um livro chamado Bad Medicine, publicado em 1992, pela Stanford University Press, Silverman descreve a situação de medicamentos no Brasil assim: "a população do Brasil, talvez mais do que o povo de qualquer outra nação da América Latina, tem sofrido a praga de medicamentos falsos ou fraudulentos.... A explicação é uma combinação de ingenuidade, incompetência, corrupção, estupidez e possivelmente o mais ridículo sistema de inspecão de todo o mundo. É um sistema sujo. Os farmacêuticos, que são forçados a comprá-los, certamente sabem que são maus medicamentos. Os inspetores, que investigam a dispensação de medicamentos, tomam decisões, aplicam penalidades, mas não fazem relatórios. Não há qualquer meio de auditá-los. Se há corrupção, dispensação de maus produtos, evasão de impostos, falhas dos médicos, não há meio de detê-la. O problema está bem em frente a você, ninguém inspeciona os inspetores". (Paprocki, 1999).

Conforme Boletim Cebrid (1990) "em levantamentos feitos nos anos de 1987 e 1989, entre mais de 47.000 estudantess de 1º e 2º graus de 10 capitais brasileiras os benzodiazepínicos (BDZ) são o segundo grupo de drogas mais consumidas sem indicação médica. Este fato reforça a idéia da existência de irregularidades no comércio e consumo desses produtos. Irregularidades que teoricamente não deveriam existir, pois o Ministério da Saúde inclui os BDZ e todos os seus medicamentos na Portaria 28/86 DIMED, que estabelece regras rígidas de controle sobre importação, exportação, produção e venda. Como fato novo que o CEBRID lança aqui como alerta, é o forte indício de uma entrada clandestina dessas drogas no Brasil. Esta suposição está baseada no resultado da análise dos dados oficiais do Ministério da Saúde sobre importação, exportação, produção e consumo de BDZ referentes ao ano de 1988, que revelam uma discrepância entre a
quantidade de matéria prima existente no País e a utilizada na fabricação de medicamentos: BDZ disponível no ano de 1988: 9.410 kg. BDZ consumido no ano de 1988: 11.506 kg. Estes dados demonstram que 2.096 kg, isto é, 22% do que foi consumido entrou no País sem passar por nenhum controle oficial. Como isto ocorre? Por enquanto não existe resposta".

Neste país onde alguém disse que leis são feitas para não serem cumpridas, também pudemos constatar o irregularidades em nossa região: CALIL & MOREIRA (1992), analisam 200 prescricões à partir de canhotos de notificação B, colhidos aleatoriamente em ambulatório universitário, no período de maio a agosto de 1990. Observam que após quase quatro anos das normas em vigor, estas são pouco conhecidas pois 44% das prescrições foram feitas de maneira inadequada. Comentam a ineficiência do controle de vigilância, as dificuldades impostas pelos modelos de receituário em vigor. Por fim, propõem uma alternativa de receituário que simplifique o trabalho médico e considere o nível sócio-econômico da população para viabilizar a aderência ao tratamento. (CALIL & MOUTINHO, 1994) entrevistou-se no mês de março de 1990, responsáveis por sete drogarias e 2 farmácias de Uberaba. A validade da receita é de um mês, todos deram esta informação. Um exige notificação "B" para todos os psicotrópicos e dois vendem medicamentos da portaria 27 sem receita. A retenção da receita que deve ser por dois anos, somente um retém por este período, variando de um mês a indefinidamente. Quanto à vigilância que deve ser feita duas vezes ao mês, cinco não souberam informar a periodicidade, um disse ser bimensal, um, semestral, um negou a informação e um informou vigilância recente, estes dois haviam sido denunciados. A coordenadora de vigilância sanitária da Diretoria Regional de Uberaba informou que são 237 as farmácias e drogarias na região. Fiscalização só ocorre quando há denúncia, pois não há fiscal disponível para esta função. Os dados permitem concluir que as farmácias e drogarias avaliadas, não conhecem e não seguem a legislação em vigor, e o sistema de farmacovigilância da nossa região é ineficaz.

Quanto ao registro de medicamentos, em 1992, o diretor do Departamento Técnico Normativo do Ministério da Saúde declarou que era absolutamente impossível saber quantos medicamentos estavam registrados na Secretaria de Vigilância Sanitária, que poderiam ser de 6.000 a 30.000 medicamentos.

O Up-Grade da Secretaria de Vigilância Sanitária, é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVS), criada em dezembro de 1988, em 1999 tinha expectativa de contratar mais 400 fiscais, que somados aos 1.400 existentes, fiscalizariam cerca de 500 indústrias farmacêuticas, 7.000 distribuidoras, 55.000 farmácias, neste pais onde não se sabe quantos medicamentos existem, 70% deles são vandidos sem receita e cerca de 30% são falsificados (Paprocki, 1999).

A ANVS, instituiu a lei dos genéricos, medicamento intercambiável com o original de pesquisa e para isso deve ser submetido a teste de bioequivalência e biodisponibilidade, testes aos quais não são submetidos os "similares", medicamentos com marca, copiados dos de pesquisa original. É a primeira vez que se diz que os similares não preenchem condições de segurança e eficácia para substituir os originais de marca. Estes testes exigidos custam entre 90 e 200 mil dólares. O diretor técnico da ANVS, Silas Gouveia, admitiu em julho de 1999 que não tem condições técnicas e infra-estrutura para fazer valer a lei dos genéricos (Paprocki, 1999).

Os novos modelos e exigências para prescrição instituídos pela Portaria 344 da Secretaria de Vigilância Sanitária, publicada no D.O.U. de 01 de fevereiro de 1999 estão na contra-mão da globalização, persistindo na burocracia ineficiente com receitas de alguns psicofármacos de validade restrita à unidade federativa onde esta inscrito o médico. Endereço do paciente como se a vigilância fizesse visitas domiciliares aos pacientes. Receitas em vias com seus efeitos anti- ecológicos, resultando em mais papel para o lixo dos burocratas.

Pergunta-se, garante-se com estas regras que drogadictos não conseguirão medicamentos com balconistas de farmácia? Os balconistas entenderão este leque de receituários? Certamente haverá batalhão de fiscais, para visitar farmácias de manipulação, drogarias, auditorar escrituração e balanço do fluxo de medicamentos, e seguir a numeração e percurso das receitas de todos os médicos.

Não bastasse isso, há ainda intervenção direta no trabalho médico, que será obrigado apor no receituário o diagnóstico do paciente em código – para quem, para os fiscais? São médicos? Para os farmacêuticos ou balconistas um diagnóstico médico?

Resumindo, a portaria 344 apresenta 27 artigos, 33 parágrafos para distribuir 460 substâncias em 16 listas de medicamentos e 10 anexos com modelos de requisição de receituários, modelos de receituários, modelos de esclarecimentos ao paciente, termo de responsabilidade e consentimento. Complementada pela Portaria número 6 de 29/01/1999, com mais 26 artigos e 10 parágrafos.

Conclusões

Estes dados indicam claramente que a classe médica deveria ser ouvida pelos órgãos normatizadores antes de se criar leis que resultam em aumento de burocracia e ineficácia.

Também os conselhos de medicina, deveriam refletir, nestes tempos de mercosul e globalização, consultar a classe médica quando restringem a validade do receituário a uma região, como se o exercício médico não fosse legítimo além de sua fronteira estadual.

Se os órgãos representativos da classe médica tem se mostrado impotentes para coibir a abertura de novas escolas médicas, poderiam tentar usar sua potência para não atrapalhar a boa prática médica, reduzindo os papéis e toda burocracia que se interpõe entre médico e paciente.

Referência Bibliográficas

Boletim Cebrid (1990) nº 2, item 10, setembro de 1990: Consumo e comércio de benzodiazepínicos no Brasil.

CALIL, L.C; MOREIRA, D.V.C. (1992) Prescrição de psicofármacos: muitas receitas para um problema. Trabalho apresentado no Congresso regional da World Federation of Societies of Biological Psychiatry, realizado de 25 a 28 de Novembro de 1992 em Belo Horizonte MG.

CALIL, L.C.; MOUTINHO, M.A.K. (1994) Sistema de farmacovigilância para prescrição e comercialização de psicofármacos na região de Uberaba MG. Trabalho apresentado no XIII Congresso Brasileiro de Psiquiatria, realizado de 21 a 24 se Setembro de 1994, na Pousada do Rio Quente, GO.

PAPROCKI, J. (1999) O faz de conta da chamada Lei do genéricos. No prelo.


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